terça-feira, 22 de novembro de 2022

O homem que frutificou (1)

 

(2030 – 2150 d. e. c.)

 

            A cúpula do céu se partiu como se uma lâmina cega, movida por uma força desconhecida a movesse impiedosamente. Dessa rachadura, fagulhas incandescentes desceram incendiando o ar, sufocando as pessoas para depois as incinerar. Sentindo que minha morte se aproximava, dei-me meu último prazer, o de invadir uma loja de conveniência de posto de combustíveis, consumir o máximo possível e sair – evidentemente, morto – sem pagar. Porém, enquanto eu engolia ferozmente a segunda garrafa de cerveja e as pessoas esfarelavam como cigarros já fumados, eu ainda estava consciente para abrir a terceira. O que diabos teria acontecido?

            A primeira coisa que me passou pela mente, foi o óbvio: um ataque nuclear. As tais bombas de nêutrons, que eliminam apenas seres vivos, mas preservam a infraestrutura do território atacado, para posterior ocupação pelo exército vencedor. Entretanto, uma questão permaneceu em minha mente enquanto eu abria a quarta garrafa: considerando a covardia e a corrupção dos nossos militares, por que alguém despejaria um poderio desses contra nosso entreguista Ministério da Defesa quando seria mais fácil (e barato) depositar alguns dólares nas contas de meia dúzia de generais?

            Durante o consumo da quinta garrafa, pensei "se eu sobreviver a isto, vou tentar descobrir quem foi o responsável pelo extermínio de quase toda a população humana, sim, somente humana (depois descobri que não foi só isso, mas aí já é adiantar demais os fatos) e provar que foi obra de extraterrestres, pois humanos nunca desprezam a possibilidade de fazer escravos". Um pensamento longo e complexo, mas um discurso honesto em relação ao que passei. Sério mesmo.

            No decorrer da sexta garrafa, pensei "E se for uma nova tecnologia que nos pega desprevenidos dormindo e nos mete numa aventura virtual, transmitindo nossas decisões para o resto do mundo sem pagar direitos autorais?" Precisei dar uma mijada, pois seis garrafas deixam uma bexiga humana sem condições de permitir ao cérebro um raciocínio sério. Quando fui ao caixa pedir a chave do banheiro (no meu então país era assim), lembrei-me de que não haveria a quem pedir chaves e urinei sobre a bomba de combustível mais próxima, como um cachorro que marca seu território sobre objetos verticalmente superiores, sabe-se lá por quais razões.

            Enquanto eu esvaziava a bexiga, pensava nos pássaros e insetos que circulavam ao redor, bem como em cães e gatos desorientados que passeavam ao redor do posto de combustíveis e concluí que foram, sim, alienígenas quem racharam nossa abóbada celeste e que eu, por alguma anomalia genética do meu corpo ou do malte que compunha a marca de cerveja que eu tomei (se quiserem me patrocinar, ponho a marca aqui), eu era o único humano vivo nas imediações.

            Em uma hora tudo tinha voltado ao normal. Exceto o fato de não haver mais humanos vivos (não que eu pudesse perceber) nem desastres tecnológicos devidos à falta de manutenção humana, como naquele filme Quiet Earth. Pensei "bom, por enquanto posso viver do que tem nessa conveniência, mas será que não há mais gente que, como eu, não sobreviveu a esse evento?"