(2030 – 2150 d. e. c.)
A cúpula do
céu se partiu como se uma lâmina cega, movida por uma força desconhecida a
movesse impiedosamente. Dessa rachadura, fagulhas incandescentes desceram
incendiando o ar, sufocando as pessoas para depois as incinerar. Sentindo que
minha morte se aproximava, dei-me meu último prazer, o de invadir uma loja de
conveniência de posto de combustíveis, consumir o máximo possível e sair –
evidentemente, morto – sem pagar. Porém, enquanto eu engolia ferozmente a
segunda garrafa de cerveja e as pessoas esfarelavam como cigarros já fumados,
eu ainda estava consciente para abrir a terceira. O que diabos teria
acontecido?
A primeira
coisa que me passou pela mente, foi o óbvio: um ataque nuclear. As tais bombas
de nêutrons, que eliminam apenas seres vivos, mas preservam a infraestrutura do
território atacado, para posterior ocupação pelo exército vencedor. Entretanto,
uma questão permaneceu em minha mente enquanto eu abria a quarta garrafa: considerando
a covardia e a corrupção dos nossos militares, por que alguém despejaria um
poderio desses contra nosso entreguista Ministério da Defesa quando seria mais
fácil (e barato) depositar alguns dólares nas contas de meia dúzia de generais?
Durante o
consumo da quinta garrafa, pensei "se eu sobreviver a isto, vou tentar
descobrir quem foi o responsável pelo extermínio de quase toda a população
humana, sim, somente humana (depois descobri que não foi só isso, mas aí já é
adiantar demais os fatos) e provar que foi obra de extraterrestres, pois
humanos nunca desprezam a possibilidade de fazer escravos". Um pensamento
longo e complexo, mas um discurso honesto em relação ao que passei. Sério
mesmo.
No decorrer
da sexta garrafa, pensei "E se for uma nova tecnologia que nos pega
desprevenidos dormindo e nos mete numa aventura virtual, transmitindo nossas
decisões para o resto do mundo sem pagar direitos autorais?" Precisei dar
uma mijada, pois seis garrafas deixam uma bexiga humana sem condições de
permitir ao cérebro um raciocínio sério. Quando fui ao caixa pedir a chave do
banheiro (no meu então país era assim), lembrei-me de que não haveria a quem
pedir chaves e urinei sobre a bomba de combustível mais próxima, como um
cachorro que marca seu território sobre objetos verticalmente superiores,
sabe-se lá por quais razões.
Enquanto eu
esvaziava a bexiga, pensava nos pássaros e insetos que circulavam ao redor, bem
como em cães e gatos desorientados que passeavam ao redor do posto de combustíveis
e concluí que foram, sim, alienígenas quem racharam nossa abóbada celeste e que
eu, por alguma anomalia genética do meu corpo ou do malte que compunha a marca
de cerveja que eu tomei (se quiserem me patrocinar, ponho a marca aqui), eu era
o único humano vivo nas imediações.
Em uma hora
tudo tinha voltado ao normal. Exceto o fato de não haver mais humanos vivos (não
que eu pudesse perceber) nem desastres tecnológicos devidos à falta de
manutenção humana, como naquele filme Quiet Earth. Pensei "bom, por
enquanto posso viver do que tem nessa conveniência, mas será que não há mais
gente que, como eu, não sobreviveu a esse evento?"